A César...

Jornal O Estado do Maranhão

A César o que é de César.
Declaração recente e acertada do presidente Lula, revelando seu desejo de evitar que a Lei de Responsabilidade Fiscal seja mutilada, afastou algumas preocupações da sociedade brasileira a respeito da possibilidade de volta da antiga idéia, colhida na cultura do vodu econômico nacional, de que gastos do governo sem controle não devem ser combatidos e não têm nenhum efeito deletério sobre a economia, ademais de terem as características da infinitude e geração espontânea. Se fosse verdadeira, a idéia teria, muito tempo atrás, levado a humanidade, e não apenas a classe operária, ao paraíso, sem o imperativo de termos de sair da vida e voltarmos à mineral existência.
Dizia-se então, nessa pré-história do combate à inflação, como se começa a dizer agora, não ser necessário submeter o governo, em especial os estaduais, ao equilíbrio orçamentário, coisa do neoliberalismo, do capitalismo selvagem e de direitistas sem alma, como se houvesse economia de esquerda ou de direita, argumento semelhante ao usado na antiga União Soviética para a imposição, no campo cultural, de uma “arte socialista”, mas em verdade governamental, contraposta a uma renitente “arte capitalista”, de execrada tendência pequeno-burguesa, a ser extirpada pela eliminação física de seus adeptos, se preciso fosse.
A Lei, uma das mais importantes do Brasil, entre as aprovadas depois de 1988, impõe um mecanismo que força os administradores públicos a não gastar mais do que arrecadam. Serve dessa forma ao fim de controle dos exageros colocados na Constituição pelos bem intencionados constituintes, sob o nome de conquistas sociais, que só o são, no entanto, se tiverem respaldo na capacidade da economia em fornecê-las. As exigências previstas na Lei se referem a limites de endividamento e de gastos globais e não setoriais. Esta tarefa é objeto de legislação diversa. O cumprimento das exigências desta, de vinculação de dispêndios à saúde e educação, principalmente, mas não unicamente, quase nada deixa para uso em outros setores. A criação numa certa conjuntura histórica de estrutura orçamentária desse tipo criou grande rigidez na aplicação dos recursos públicos no decorrer dos anos. Os gestores, hoje, não encontram mais, do lado da despesa, maneiras de adaptar as políticas públicas a mudanças no ambiente econômico e social. Eis uma das razões de o fazerem pela elevação de impostos.
O problema tem outro aspecto, relacionado à diversidade regional brasileira. Pode ser que um município do Sul não precise aplicar, digamos, 20% de suas receitas em educação ou em saúde, mas é obrigado a fazê-lo mesmo assim, ainda que na avaliação dos seus dirigentes democraticamente eleitos fosse mais produtivo investir na preservação ambiental. No Nordeste a situação pode ser outra. Um Estado que deseje aplicar um percentual mais elevado em educação, não terá como obter os meios financeiros para fazê-lo. Pode-se ainda argumentar, contra esse sistema, que não sabemos ao certo se, na ausência de vinculação, haveria falta de recursos para aqueles setores ou se estamos tão-só diante de administrações ineficientes e de administradores irresponsáveis.
A César o que é de César.
O governo Lula está correto ao defender a Lei de Responsabilidade Fiscal, essa, sim, uma conquista social, em se empenhar em diminuir as vinculações de receitas da União e, ainda, em barrar o chamado orçamento impositivo. Este último, caso aprovado, diminuiria, mais do que a vinculação já o faz, os graus de liberdade do governo na execução de sua política econômica, aprovada em eleições livres. Aliás, essa proposição é muito parecida com aquela enfiada na Constituição e mais tarde retirada, de limitar o juro da economia brasileira a 12% ao ano.
A César...

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