Nação campeã

Jornal O Estado do Maranhão

A imprensa anda convidando escritores a relembrar como a Copa do Mundo de futebol deixou marcas em suas lembranças. Vejo na Folha de S. Paulo um excelente texto, “O Fim da Infância”, de Joca Reiners Terron, autor de A curva do rio sujo, memórias de sua família trabalhadas por seu olhar de ficcionista, à maneira da crônica em que recorda a derrota brasileira em 1982, época de seus 14 anos: “Quando o Brasil e Itália começaram a jogar eu ainda era um moleque de 14 anos. No final da partida já havia nascido uma barba cerrada na minha cara, chegava quase no peito”. A coisa ficou feia. A Folha não me pediu nem O Estado do Maranhão, mas o clima de Copa, com início em poucos dias pede. Atendo ao pedido.
Metaforicamente ou não, nada tão radical aconteceu comigo na Copa da qual tenho a lembrança mais marcante, a de 1958, quando o Brasil ganhou a competição pela primeira vez, tendo eu 10 anos de idade. Eu acompanhara a de 1954, na Suíça, de cujas partidas ouço ainda hoje o ruído, como ouvi depois em 1958, produzido pela estática das transmissões radiofônicas se confundindo com os gritos patrióticos dos locutores brasileiros a reclamarem, naquele tempo sem TV para nos mostrar os jogos, da roubalheira dos juízes, sempre contra nós, no que eram apoiados sem restrições por minha mãe, para quem aqueles gringos eram todos uns sujeitos brutos e invejosos, especialistas em dar ponta-pés nos nossos jogadores. Eu ouvia também, tão nítidos quanto os ruídos do rádio, o bater do coração ansioso e os ecos da nossa derrota em 1950 no Maracanã, comentada em surdina pelos adultos. Seria para não provocar traumas nas crianças ou esconder a vergonha?
Em 1958, veio a primeira vitória na Copa. Aqueles eram os anos JK. O país começava a acreditar em si mesmo. Havia otimismo no ar, não no futebol. Éramos campeões, porém continuávamos admirando os ingleses, os húngaros, os espanhóis. A vitória brasileira parecia sorte de time pequeno aos olhos de muitos. No entanto, já produzíamos em série, de maneira consistente, grandes jogadores, como nenhum outro país.
Embora tendo apenas vaga consciência disso tudo, eu intuía nossa superioridade no esporte, pois desde cedo fui um leitor compulsivo de qualquer texto que estivesse a meu alcance, como no caso dos jornais esportivos de meu pai, e lia sobre o gênio Leônidas da Silva e muitos outros. Pois meu otimismo intuitivo sofreu abalo gigantesco quando na partida final, contra a Suécia, Liedholm fez o primeiro gol dos suecos, logo aos 4 minutos do primeiro tempo.
Não nasceu em mim nenhuma barba cerrada, pois ganhamos de 5 a 2. Mas, os escassos minutos depois desse gol, até o de empate, de Vavá, meros 5 minutos mais tarde, foram os mais aflitivos vividos por mim durante uma Copa do Mundo. Nenhuma angústia nas outras (14 com esta de 2006), nenhum sofrimento, nenhum nervosismo, nenhum medo, nenhum desses humanos sentimentos despertados com tanta freqüência por esse esporte apaixonante, nada no futebol, e talvez na vida, pôde se igualar à indescritível sensação que experimentei com aquele gol. De repente, éramos de novo os vira-latas derrotados pelos louros nórdicos.
A imagem de Didi, nosso príncipe etíope, como o chamou Nélson Rodrigues, ao apanhar com calma a bola no fundo da rede, com o fim de trazê-la até o centro do campo e comandar a virada, ficou sempre comigo, como símbolo da capacidade brasileira de superar adversidades.
Muita gente lamenta tanta mobilização nacional em torno do futebol, como se vê agora. Não há nada errado com tal comportamento. Ruim é não desenvolvermos muitas outras áreas de excelência, nas ciências e na vida moral, social e econômica, que permitam ao brasileiro se identificar com uma nação campeã e expressar o mesmo orgulho de pertencer a ela, como no futebol.

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